Vende-se beleza em qualquer esquina
Vende-se saudade para quem nunca amou
Compra-se uma hora de sexo e amor
Compra-se um prato fundo
para toda fome
Carne, comida, putas e festas
e gente sem dente e sem teto, a fome da Sé, o paraíso da
Pajé,
o tumulto da 25 de Março, o glamour da Oscar Freire,
a sexualidade da Augusta
o verão do Parque do Ibirapuera
num domingo de sol raro,
e o desespero em dias chuva e sol e frio
para os que não tem teto, nem calor, nem amor, nem abraço
tem presa e medo e raça
morando em frente a Catedral da Sé
Há humilhação da fé para os que dormem sob suas luzes
E é grande a nossa fome
É grande a vontade de quem não come
nem um sexo comprado
um sexo pago e manchado
com restos de gozo
nos dedos e na cara
de quem não fala mais nada
e nem lambe um prato
Vende-se até os dentes
para quem levou um soco do tempo
Vende-se anéis de ouro
para acorrentar a alma dos infiéis
Levam-se os dedos e os anéis
Compra e venda de ouro
Há um tesouro em cada esquina
Um esgoto por cima
da lama do outro
nesse mar de besouros
Doa-se
um peito rasgado pela saudade
de uma vida que nunca existiu
Vende-se despertador
para um novo despertar
Vendem-se sonhos e promessas
para os que não sabem criar
Nem um resto de farelo
num prato raso
para os que ainda tem fome,
apesar dos séculos de reza,
apesar dos séculos de chuva,
apesar da alta da Bovespa
Nem toda fome do mundo
devora todo esse esgoto
que escorre por cima
Nem o jeans rasgado da moda
na vitrine ou no corpo em silhueta,
a beleza ardendo em silêncio
Nem o brilho do sapato de couro
nos pés dos que pisam por cima do peito dos mortos,
nas calçadas planas da Avenida Paulista,
Nem os anéis de ouro
nos dedos dos que vêem a vida por cima
Nem a mão estendida às ciganas no Viaduto do Chá
vendendo sorte ou azar
Nada escapa ao paladar do tempo
que tudo devora depois ou agora